As igrejas evangélicas têm crescido rapidamente no Brasil, com uma média de 17 novos templos abertos por dia em 2019, de acordo com um estudo conduzido pelo cientista político Victor Araújo, da Universidade de Zurique. Esse crescimento impressionante também revela a enorme diversidade dentro do movimento evangélico. Embora compartilhem a Bíblia como texto sagrado, essas denominações diferem amplamente em termos de doutrina, práticas e até público-alvo. Há igrejas mais conservadoras, outras que acolhem a comunidade LGBTQIA+, e até aquelas que se conectam com seus fiéis por meio de hobbies ou estilos musicais em comum.
As igrejas evangélicas podem ser divididas em três grandes grupos:
- Missionárias: Originadas da Reforma Protestante do século 16, são as primeiras a chegar ao Brasil, como a Igreja Batista e a Metodista.
- Pentecostais: Enfatizam a manifestação do Espírito Santo, acreditando em curas e milagres, como a Assembleia de Deus.
- Neopentecostais: Surgidas mais recentemente, possuem maior presença na mídia e adotam práticas diferentes dos pentecostais. Um exemplo é a Igreja Universal do Reino de Deus.
Como tantas igrejas coexistem no mesmo movimento?
A pluralidade das igrejas evangélicas pode ser explicada pela própria natureza do protestantismo, que surgiu durante a Reforma Protestante no século 16. O movimento, liderado por Martinho Lutero, desafiava a autoridade papal e os sacramentos da Igreja Católica, defendendo que a salvação vinha apenas pela fé na Bíblia. Ao rejeitar uma instituição centralizadora, como o Vaticano, o protestantismo permitiu a criação de diversas denominações, cada uma com sua interpretação das escrituras.
No coração do protestantismo está a ideia de que a Bíblia deve ser acessível a todos, o que possibilitou que diferentes grupos interpretassem a mensagem de Deus de maneiras distintas. Esse conceito de liberdade doutrinária e organizacional explica por que há tantas igrejas evangélicas diferentes. Desde que compartilhem a fé na Bíblia, essas igrejas podem divergir em suas formas de culto, costumes e doutrina.
A “abrasileiração” do protestantismo
Embora o protestantismo tenha chegado ao Brasil no século 16, ele só se expandiu de forma significativa com a vinda de missionários dos Estados Unidos no século 19. A partir daí, surgiram igrejas com características mais locais, adaptadas à realidade brasileira. Durante o século 20, novas denominações nasceram no Brasil, incorporando elementos da cultura local, e não mais diretamente ligadas aos missionários estrangeiros.
Com o tempo, essas igrejas também se apropriaram de meios de comunicação modernos para a evangelização. Nos anos 1940, por exemplo, o rádio e a televisão se tornaram ferramentas cruciais para alcançar novos públicos. Já na década de 1980, a igreja Renascer em Cristo teve grande impacto ao evangelizar jovens na Galeria do Rock, em São Paulo, promovendo bandas de música gospel. Isso reflete a capacidade de adaptação das igrejas evangélicas aos tempos e culturas, transformando até mesmo locais seculares em espaços sagrados.
Urbanização e novas tribos evangélicas
O crescimento das cidades brasileiras também foi um fator importante na multiplicação das igrejas evangélicas. A urbanização trouxe consigo uma maior individualização, o que permitiu que as pessoas procurassem igrejas que refletissem seus interesses e identidades pessoais. Igrejas como a Bola de Neve, que atrai surfistas e praticantes de esportes radicais, são um exemplo de como os evangélicos se agrupam em torno de afinidades específicas.
Esse processo reflete tanto a liberdade de organização inerente ao protestantismo quanto a natureza da sociedade contemporânea, onde as pessoas buscam ambientes que ofereçam maior identificação pessoal. O pluralismo no universo evangélico é, assim, uma combinação de tradição histórica e adaptação aos novos tempos.
Pluralidade e disputas internas
Embora a pluralidade seja uma característica marcante do movimento evangélico, nem todas as novas formas de evangelização são aceitas sem resistência. Há disputas internas sobre o que é ou não verdadeiramente cristão, e essas disputas podem se manifestar em diferentes frentes, incluindo divisões políticas entre evangélicos de direita e esquerda. Essa diversidade dentro do movimento evangélico deve ser reconhecida, evitando-se uma visão homogênea de algo que é essencialmente plural.
Assim, desde suas origens, o movimento evangélico tem sido caracterizado pela diversidade. Mesmo dentro de um mesmo grupo, as interpretações da Bíblia e as abordagens da fé podem variar amplamente, o que explica por que tantas igrejas coexistem dentro de um mesmo movimento.